quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Em casa

Para Ariadne.

Agora será bem mais fácil preparar o almoço. Colocaram vidros no basculante da cozinha, o vento não mais apagará o fogo das panelas. Dona Lúcia sorri aliviada, uma economia e tanto, o gás nunca durava o mês inteiro com o acende-apaga das bocas do velho fogão. Dia 20 e já estava ela comprando botijão de gás fiado na quitanda de seu Morais. Dinheiro só no fim do mês. Professora da rede estadual de ensino, mil quinhentos e setenta e cinco reais. Isso antes que se descontassem todos os empréstimos (que não eram poucos), as tarifas do cartão de crédito e as variadas taxas que seu banco sempre cobra. O que sobra é para o básico: alimentação e escola das “crianças”.

Nada de supérfluo, nem mesmo a uma calça nova dona Lúcia se dava ao luxo. Aqui, acolá uma pizza com a família: um menino, uma menina, o marido. Hoje dona Lúcia acordou esmorecida, a tontura de sempre, labirintite. Lavar as roupas, fazer comida, mandar o filho ao mercado comprar alguma verdura, visitar o sobrinho de um ano (casa ao lado). A rotina. E o zumbido no ouvido, as pernas cambaleantes, leve desorientação espacial. “Mas ela é forte!”, pensam os filhos adolescentes. “Traga aqui um café, Lucinha”, grita o marido, em frente à TV, pés sobre o raque ( cinco prestações de vinte e nove e noventa e nove). E ela, já deitada na rede, levanta-se. Quase uma Amélia. Chaleira fervendo no fogo, pó de café. Uma água preta e quente descendo através do coador de pano já gasto.

Os quartos ainda por arrumar, as garrafas de água na geladeira ainda por encher, os banheiros sujos. Os filhos ajudam pouco, ajudam muito pouco. Desde que sua empregada doméstica a colocara na justiça (“quero meus direitos! Dezesseis mil”), dona Lúcia decidiu abrir mão de qualquer diarista, fosse ela quem fosse. A irmã de dona Lúcia ligara semana passada. Uma menina boa ela tinha conseguido para trabalhar na casa de Lucinha. Evangélica, não gostava de folia e sabia respeitar bem os patrões. Saída do interior do Maranhão. “Não, mulher. Os meninos estão se organizando mais, eu já nem me esforço muito”, mentia dona Lúcia. A vida para ela , na rua ou em casa, sempre fora assim: um jogo de esconde e mostra.

*ps.: nesses dias de ócio, até um conto ( de qualidade duvidosa) saiu e, em nome da boa companhia que vc sempre é, resolvi te dedicar.

(Lucas Coelho)

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